sexta-feira, 29 de abril de 2011

Consciência moral e agir comunicativo - Habermas

por Rosane da Conceição Pereira

O sociólogo e filósofo, Jürgen Habermas, propõe uma teoria da comunicação como uma teoria crítica da sociedade, de modo que a ação comunicativa entre os interlocutores sociais é analisada segundo suas relações. A teoria crítica da sociedade funcionaria como uma teoria do comportamento, uma propedêutica, um conjunto de regras morais para a vida, que afirmam a infra-estrutura da linguagem humana, do conhecer, do agir e da cultura (Habermas, 1989, p. 39). No interior dessa teoria crítica, o conceito agir comunicativo corresponde às "ações orientadas para o entendimento mútuo", em que o ator social inicia o processo circular da comunicação e é produto dos processos de socialização que o formam, em vista da compreensão mútua e consensual. Paralelamente, o conceito agir estratégico compreende as práticas individualistas em certas condições sociais, ou a utilização política de uma força, ou as "ações orientadas pelo interesse para o sucesso".
Habermas trabalha com o conceito "Diskurs" (Discurso) como uma forma de comunicação (Kommunikation) ou Rede (discurso, fala), que consiste na comunicação (fala ou discurso) destinada a fundamentar as pretensões de validade das afirmações e das normas nas quais se baseia implicitamente o agir comunicativo (interação social) – que é outra forma de comunicação (fala ou discurso). O sociólogo e filósofo defende o aspecto intersubjetivo do discurso (relação dialogal), além do aspecto lógico-argumentativo (explanação e discussão para a fundamentação das pretensões de validez problematizadas).
Há três contribuições à tese da consciência moral e do agir comunicativo, expressas por Habermas:
"A Filosofia como Guardador de Lugar e como Intérprete": investigações filosóficas e empíricas como as inspiradas na epistemologia genética de Jean Piaget (em psicologia). Para Habermas, mesmo quando a filosofia se dispensa dos papéis problemáticos de indicador de lugar e de juiz (perspectivas kantianas), ela pode e deve manter sua pretensão de razão (concordando com Kant) nas funções mais modestas de guardador de lugar dos saberes e como intérprete destes. Não é por menos que o sociólogo e filósofo chama o marxismo e a psicanálise, por exemplo, de pseudociências responsáveis por uma híbrida mistura dos Discursos normais com os patológicos – já que esses saberes não se conformariam à divisão de trabalho que proibe a inserção do elemento filosófico dentro das ciências propriamente ditas. Do ponto de vista da história das ciências e da psicologia genética de Piaget (para quem aprender é agir), o marxismo e a psicanálise caracterizariam exatamente os tipos de teorias que fundam novas tradições de pesquisa, considerando a inclusão filosófica na cooperação científica.
"Ciências Sociais Reconstrutivas versus Ciências Sociais Compreensivas": a teoria do desenvolvimento moral de Lawrence Kohlberg (em psiclogia) como modelo que explique claramente as relações entre reconstruções hipotéticas e explicações causais. Partindo da idéia de que as ciências sociais não devem abandonar a dimensão hermenêutica da pesquisa (papel de intérprete), Habermas distingue dois tipos de ciências sociais. As ciências sociais reconstrutivas correspondem àquelas que redistribuem o peso das construções normativas (judicativas, classificatórias) na história das ciências, com base em reconstruções hipotéticas para abordagens de maior sensibilidade hermenêutica – caso dos fundamentos da fenomenologia (segundo Wittgenstein), da hermenêutica filosófica e da teoria crítica. Enquanto as ciências sociais compreensivas remetem àquelas que interpretam as explicações causais, de maneira que os argumentos fundamentais da hermenêutica filosófica foram aceitos como paradigma, e não como doutrina, em outras ciências – caso da antropologia, da sociologia e da psicologia social. Esses dois tipos de ciências sociais são interpretados por três funções e dois usos da linguagem e/ou do Discurso no "mundo da vida" referido por Boaventura (*) – do "Lebenswelt", do senso comum ou das suposições e das práticas comuns. As três funções da linguagem e/ou do Discurso seriam: a reprodução cultural ou presentificação das tradições (caso da hermenêutica filosófica, de Gadamer); a integração social ou coordenação dos planos de diferentes atores na interação social (caso da teoria do agir comunicativo, de Habermas); e a socialização da interpretação cultural das necessidades humanas (caso da psicologia social, de G. H. Meado). Já os dois usos da linguagem e/ou do Discurso seriam: o uso cognitivo (dizer ou pensar algo a ser transmitido, informado) e o uso comunicativo (transmitir, informar algo dito ou pensado; solucionando o problema de adequar o pensamento relativo ao "mundo deontológico", do dever ser, aos estados de coisas relativos ao "mundo ontológico", do ser – questão da adequação do pensar e aprender com o agir). Kohlberg parece ter sido quem melhor tentou realizar essa conciliação entre pensar, aprender e agir, ou entre as ciências sociais, a hermenêutica e a filosofia. Mas, mesmo assim, Habermas critica a teoria kohlbergiana do desenvolvimento da consciência moral por ter a pretensão apriorística de reduzir a reconstrução racional às intuições morais (apenas filosóficas) e a análise empírica ao desenvolvimento moral (apenas psicológico). Habermas, então, acusa Kohlberg de ambigüidade, pois este não considera que as racionalidades filosófica e científica possuem sataus hipotético (são construções), e que a teoria-prática é compreendida (não se isola) no interior de ambas (filosofia e ciência).
"Notas Programáticas para a Fundamentação de uma Ética do Discurso": homenagem a Karl-Otto Apel, cujo objetivo é esclarecer o ponto de partida da ética do Discurso. Primeiramente, Habermas faz duas considerações propedêuticas acerca da ética do Discurso. A propósito da fenomenologia do fato moral: a validez deôntica (dos deveres ou ciência da moral) das normas e as pretensões de validez que erguemos com atos de fala ligados às normas (atos regulativos) constituem os fenômenos que uma ética filosófica tem que explicar. E as abordagens objetivistas e subjetivistas da ética: as posições filosóficas conhecidas, a saber, as teorias definidoras de gênero metafísico e as éticas institucionalistas do valor, por um lado, e as teorias não-cognitivistas como o emotivismo e o decisionismo, por outro lado, não dão conta dos fenômenos que precisam de explicação – pois assimilam as proposições normativas ao modelo errôneo das valorações e das proposições descritivas ou da vida, imperativas e intencionais. Em seguida, Habermas faz três advertências acerca do princípio da universalização como regra de argumentação, para a ética do Discurso. As pretensões de validez assertórias e normativas no agir comunicativo: os fenômenos morais denunciam uma investigação formal pragmática do agir comunicativo, em vista de um princípio moral ou de um critério universal de interação social. O princípio moral ou o critério da universalização de máximas de ação: o agir comunicativo consiste na orientação dos atores sociais por pretensões de validez para todos os envolvidos. E a argumentação versus participação – um excurso (digressão, divagação): a ética filosófica do Discurso pode assumir a figura de uma teoria especial da argumentação, diferentemente da teoria do conhecimento. Por fim, Habermas faz três observações acerca da ética do Discurso e seus fundamentos na teoria da ação. Questiona se é necessária e possível uma fundamentação do princípio moral e afirma que sim, pois a fundamentação da teoria moral concerniria ao princípio de universalização dos saberes – o único princípio a possibilitar nas questões práticas (da moral e da política) um acordo argumentativo – e à tentativa de mostrar como esse princípio pode ter uma fundamentação transcendental através da ética do Discurso – a partir das pressuposições pragmáticas universais de uma argumentação consensual, segundo Apel. Explana a estrutura e valor posicional do argumento pragmático-transcendental: a "derivação" (do argumento pragmático-transcendental para a ética do Discurso) não pode pretender o status de uma fundamentação última, pois o argumento pragmático-transcendental proposto por Apel seria fraco ainda para quebrar a resistência cética a qualquer forma de moral racional plenamente universal – crítica ao descolamento empírico do contexto interno da teoria do agir comunicativo. E propõe, enfim, a relação entre moralidade e eticidade: o problema da resistência cética a qualquer forma de moral racional e universal implica o retorno de Habermas à crítica hegeliana quanto à moral kantiana, ou seja, implica substituir o modo de fundamentação transcendental da razão como fim moral pelo modo modo dialético da razão como meio ético. Substituição que, conforme Habermas, daria ao primado da eticidade perante a moralidade um sentido imune às tentativas de ideologização neo-aristotélicas (essencialistas ou não construtivistas) e mesmo neo-hegelianas (negativistas ou pelas verdades encobertas e não histórico-socialmente construídas).
Em conformidade com suas contribuições fundamentais, a tese de "Consciência Moral e Agir Comunicativo" abrange conceitos elementares, como: o princípio de universalização (U), uma regra de argumentação geral, a ética do Discurso e a teoria do desenvolvimento da consciência moral, formulada por Kohlberg.
O princípio de universalização é introduzido como regra de argumentação para os Discursos práticos (filosofia e sociologia), pois esse princípio pode ser compreendido como uma reconstrução das intuições da vida cotidiana que sustentariam uma avaliação imparcial dos conflitos de ação morais (modelo "reflective equilibrium", de Rawls). Enquanto a regra de argumentação é fundamentada a partir dos pressupostos pragmáticos da argumentação em geral, juntamente com a explicitação do sentido das pretensões de validez normativas, ou seja, a validez universal do princípio de universalização ultrapassa a perspectiva de uma cultura determinada, baseando-se na comprovação pragmático-transcendental de pressupostos universais e necessários de argumentação. Esses argumentos sustentam apenas a circunstância de que não há nenhuma alternativa identificável para a "nossa" maneira de argumentar, de modo que a ética do Discurso também se apóia, como as ciências sociais reconstrutivas, exclusivamente em reconstruções hipotéticas, para as quais temos que buscar confirmações plausíveis, em concorrência como outras teorias das quais depende a sua confirmação indireta. E a teoria do desenvolvimento da consciência moral humana, formulada por Kohlberg, oferece esta confirmação indireta à teoria da ética do Discurso, de Habermas: o desenvolvimento da capacidade de julgar (moral) efetuaria-se da infância à idade adulta, passando pela adolescência, de acordo com um modelo invariante, que é um princípio de universalização, o ponto de referência normativo da via evolutiva do Discurso na argumentação humana – certo reducionismo a um fisiologismo ancorado em um padrão fixo, restritivo. Assim, qualquer comportamento diferente do padrão seria explicado, segundo Habermas, como uma ação motivada inconscientemente, não confessada pelo ator social a si e aos demais, entre seu agir estratégico (individualista) e seu agir comunicativo (universalista). Esse efeito de auto-engano ou ato de defesa seria interpretado, então, como um distúrbio intrapsíquico da comunicação, distorcida de maneira sistemática em um plano interpessoal e intrapsíquico. É para uma tal comunicação distorcida que Habermas sugere uma discussão específica dentro da teoria da comunicação.
De acordo com Habermas, a consciência moral (a racionalização universal dos modos de viver humanos) viabiliza a aplicação inteligente de discernimentos morais universais. Aplicação que se daria através do agir comunicativo, com a compreensão mútua e consensual entre os atores sociais (como supostamente ocorreria no meio acadêmico universitário), ainda que essa perspectiva seja, no melhor dos casos, utópica.
 

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